Infância e tecnologia: quais os efeitos na vida das crianças?
Eles estão por todos os lugares e cada vez mais associados a um número crescente de atividades cotidianas.
Seja para saciar a fome, fazendo um pedido de tele entrega, ou a curiosidade intelectual, pesquisando algum tema de interesse, ou ainda para fazer fotos, divertir-se, ler notícias, chamar um veículo para nos transportar, dentre outros inumeráveis. Não é necessário pista alguma para que o leitor perceba que estamos falando da onda tecnológica de nosso tempo e do uso dos dispositivos eletrônicos.
E se no início desse processo, tecnologia era uma palavra associada a cientistas de laboratório, engenheiros e depois a adultos curiosos, hoje isso é passado, pois a mesma onda tem invadido também o território da infância.
Nesse ínterim, um dos temas mais debatidos atualmente é justamente a relação entre infância e tecnologia, discussão responsável por engendrar um número muito superior de perguntas do que de respostas, e dentre tantas questões certamente uma das principais é: quais os efeitos gerados na vida das crianças?
UM FENÔMENO RECENTE E POUCO CONHECIDO
Essa questão está relacionada com aquele que talvez seja o maior complicador no debate dessa temática: o fato da explosão tecnológica ser um fenômeno bastante recente, cujos impactos estão apenas começando a ser identificados, e sem sombra de dúvidas apontam para a necessidade de maior tempo e esforços dedicados a essa compreensão.
Enquanto isso os questionamentos e preocupações seguem em franca expansão. Para os pais de crianças pequenas a situação se torna difícil pelo fato de que os dispositivos tecnológicos não são apenas objetos que podemos optar por comprar ou não.
Mais do que isso, a tecnologia funde-se a nossa forma de agir, de pensar e de viver de maneira geral, como têm demonstrado estudiosos como Pierre Levy, pensador que têm refletido sobre o que tem chamado de cybercultura.
Isso torna ainda mais complexa a decisão de controlar o uso dos dispositivos pelas crianças, tendo em conta que a cada dia sabemos menos como viver sem eles em nosso cotidiano. Essa situação torna ainda mais crítica a relação entre infância e tecnologia e deixa clara a necessidade de maiores reflexões sobre o tema. Assim, de forma prática, surge a questão: como podemos agir frente a esses fatos?
RECOMENDAÇÕES DOS ESTUDIOSOS
Um primeiro passo é estarmos informados sobre o que os estudiosos do tema têm apontado como elementos fundamentais para regular e relação infância e tecnologia. Nesse sentido, vale consultar o manual lançado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que trata da saúde de crianças e adolescentes na era digital.
Além de apresentar uma análise consistente da temática, o documento faz indicações práticas e precisas que são bastante úteis como balizadores para orientar as decisões das famílias. Evitar ao máximo a exposição a telas digitais para crianças com menos de 2 anos e limitar o tempo de exposição às mídias ao máximo de 1 hora por dia, são algumas das que merecem maior atenção, pois dizem respeito à fase mais crítica para a formação do ser humano que é a primeira infância.
INFÂNCIA E TECNOLOGIA: OS MOMENTOS MENOS INDICADOS E OS MAIS ACEITÁVEIS
Como é impossível – e talvez nem seja desejável – banirmos a tecnologia do contexto familiar e infantil, cabe termos em mente quais são os momentos em que o uso de mídias digitais é menos indicado para crianças.
Nessa linha, os horários próximos às refeições e ao sono são tidos como os mais prejudiciais, uma vez que estudos indicam uma forte relação entre excesso de comida e uso de dispositivos, estando alguns dos motivos para isso relacionados ao estímulo desmedido dos sentidos e de determinados centros reguladores como o do apetite.
Adicionalmente, quando as crianças fazem uso de tablets e celulares à mesa, a tendência é que o diálogo com os pais seja drasticamente reduzido, o que representa um grave problema, tendo em vista que o exercício de conversar é essencial para o desenvolvimento cerebral infantil, bem como de capacidades sociais e emocionais de inestimável valor nessa fase da vida.
Pesquisas demonstram também que usar dispositivos próximo ao horário de dormir pode interferir na produção de melatonina, hormônio fundamental para a qualidade do sono, algo bastante considerável quando se trata de crianças pequenas, para quem dormir bem é um dos componentes mais relevantes para um desenvolvimento saudável.
Diante de tantos desconfortos, riscos e ameaças quando o assunto é a relação entre infância e tecnologia, torna-se bastante complexo fazer recomendações para o uso de dispositivos para crianças. Por isso, talvez seja mais acertado falarmos em situações mais aceitáveis para esse acesso.
Nesse sentido, podemos iniciar a partir de um critério baseado no bom senso, evitando radicalismos e considerando que tudo pode tornar-se útil se aplicado com ponderação e no momento mais adequado, até mesmo as tecnologias digitais para crianças. Consideremos, por exemplo, a situação de uma mãe que foi buscar seu filho na escola ao fim do dia e, no caminho de retorno para casa, percebe que furou um dos pneus de seu automóvel.
Ou então, o contexto de uma longa viagem de família, quando se esgotam todos os recursos para brincar com as crianças dentro do veículo e os pequenos começam a se mostrar aborrecidos e impacientes. Em casos assim, filmes, músicas ou outros recursos digitais podem auxiliar a contornar momentos difíceis e por isso podemos considerar seu uso mais aceitável.
O QUE REALMENTE FAZ A DIFERENÇA?
Para que tenhamos maior clareza na construção de parâmetros para balizar a relação infância e tecnologia, há um elemento bastante relevante, e que diz respeito a uma espécie de lei do desenvolvimento e da educação das crianças pequenas.
Trata-se da constância, ou seja, aquilo que lhe proporcionamos com ritmo, com frequência, diária, semanal, mensal, é o que mais impactará o desenvolvimento e a aprendizagem, tanto para os males quanto para os benefícios que possamos considerar.
A mesma regra é válida no sentido inverso: quando usamos algo pontualmente, em geral seus efeitos para as crianças não são realmente significativos. Portanto, se soubermos adotar essa orientação para regular o uso de dispositivos pelas crianças, podemos nos sentir mais seguros quanto ao futuro que estaremos lhes proporcionando.
INFÂNCIA, TECNOLOGIA E FACILIDADES
Um assunto tão vasto não nos permite falar em conclusão definitiva, mas acreditamos que podemos fechar bem o tema deste artigo com uma importante reflexão sobre tecnologia, infância e facilidades.
Essa proposta está relacionada ao fato de que muitas vezes entendemos a oferta de tecnologias digitais para nossos filhos como uma forma de facilitar uma série de questões, como evitar choros, garantir o silêncio, manter as crianças sentadas, dentre outros.
Entretanto, cabe refletirmos mais profundamente sobre essas situações, que podem representar facilidades no presente, mas trazer dificuldades redobradas em um futuro próximo.
Devemos recordar que a Natureza não costuma promover nada ao acaso, e o ímpeto das crianças para falar, correr e brincar a todo tempo, faz parte de seu desenvolvimento natural e representa necessidades fundamentais para o bom desenvolvimento infantil.
Por isso, devemos entender que toda a nossa dedicação para interagir, conversar e brincar com nossas crianças são os mais concretos atos de amor que podemos ter em relação a elas. Quando tomamos consciência disso, passamos a considerar a interação entre criança e eletrônicos como exceção, ao lado da regra que deve ser sempre a relação humana e viva entre adultos e crianças.
Diretor do Colégio Acadêmico Florença, Doutor em Educação e pesquisador da infância há quase 15 anos. Segue conduzindo seus estudos e pesquisas aliados a uma profunda experiência prática em contato direto com as crianças e educadores. Autor dos livros Pedagogia Florença 1 – bases para educação infantil de 0 a 3 anos e O Lenhador.